Basta deixar correr os olhos. Sem esforço. Cedo a saudade ganha forma dentro de nós. É um entrar sem bater à porta. Este desfilar de vocábulos saem da Belmiras, a nova atração comercial da vila de Montalegre. Quem lá entra vê parte da infância e só por si, acreditem, vale a pena lá ir. Aberta no centro da vila barrosã desde junho do ano passado, é já um dos melhores exemplos, nos últimos anos, do que é ser empreendedor. Por arrojo e pelo amor desalmado da terra mãe. Em representação da autarquia, o vice-presidente David Teixeira visitou o espaço no qual deixou reconhecimento e aplauso.
Ana Margarida Moura, 36 anos, natural de Montalegre, é a proprietária da casa Belmiras, a mais recente coqueluche do comércio da capital do Barroso. Um espaço, não muito vasto, que resgata memórias, algumas delas julgadas perdidas. Os clientes são conquistados sem dificuldade. No turbilhão dos dias, o desarme acontece pelos sinais da infância. Acolhedor, o local exibe – entre tanto que aqui não cabe – uma vasta variedade de frutos secos, chocolates, rebuçados, símbolos como o pão de ló e as cavacas de Margaride (Felgueiras); o bolinhol de Vizela; o afamado queijo da serra, artesanal amanteigado; uma seleção de biscoitos da Paupério (Valongo); os bombons Imperador; a bolacha Diplomata; o obrigatório fumeiro e tudo o que o envolve e, claro está, peças de artesanato que mostram traços do antigamente.
CASA ÀS COSTAS
Quando em 2005 iniciou funções letivas, Ana Margarida Moura estava longe de pensar que teria que zarpar com tamanha intensidade. O início nas Minas da Borralha até prometia algum entusiasmo para constituir família. Porém, a dança da cadeira não tardou. Seguiram-se paragens como Cinfães do Douro, Vila Pouca de Aguiar e Baião. Longe, muito longe, para quem acredita que uma relação só existe com alimento e proximidade. Assim fez. Arregaçou as mangas e deixou quase para trás o sonho do ensino. Dizemos quase porque ainda mantém, em regime noturno, o apego à arte de ensinar na cidade de Chaves. São apenas nove horas semanais, mas que servem para burilar a mente.
«QUERO VIVER AQUI!»
Os olhos arregalam quando fala de Montalegre. Ciente do chão que pisa, Ana Margarida Moura lembra o porquê do apego: «desde sempre adorei a minha terra. Fui para a Universidade e, a cada sexta-feira, a vontade de vir era cada vez maior. Foi uma opção que fiz. Casei e escolhemos cá viver e fazermos a nossa vida». É neste aconchego que mima o desejo. Seu e dos seus.
INVESTIMENTO | 15 MIL EUROS
A saudade do avô – também ele comerciante – impulsionou este projeto que já consumiu 15 mil euros, verba paga sem qualquer financiamento. Os produtos, tipicamente portugueses, lembram gerações. Uma alavanca de memórias que empurra esta professora de informática para o sorriso do futuro: «quando decidi avançar com este negócio, quis fazer algo diferente para Montalegre. Acredito no que faço. Foi correr todas as casinhas do Porto. Era preciso fazer algo diferente. Estou satisfeita». Os louvores são mais que muitos. Estes preconizam confiança: «apesar da casa ser ainda recente, tenho tido bastantes elogios. É preciso educar as pessoas no sentido de comprarem avulso. Tem resultado. Quem prova, volta. Sentem-se em casa».
RECONHECIMENTO
À semelhança de outros investimentos recentes já realizados no concelho, o atual executivo municipal tem deixado o devido reconhecimento a quem decidiu arriscar e ficar por cá. Neste particular, é mais um modelo que deve ser conhecido, aclara David Teixeira, vice-presidente da Câmara de Montalegre: «estamos perante um bom exemplo de empreendedorismo. É, também, um exemplo para a geração mais nova. Pode servir-lhe de conforto». O autarca exalta o que observa no interior da superfície comercial: «é um conceito diferente que Montalegre não tinha e que vale a pena valorizar. É neste enquadramento que aqui estamos. Queremos com isto dizer que vale a pena passar por aqui, vale a pena fazer o futuro de uma maneira diferente».
SER FELIZ CÁ DENTRO
Entrar na Belmiras é ver a saudade caminhar. Um comboio de lembranças que faz, qualquer um, esgravatar o melhor da infância. David Teixeira não ficou indiferente: «há aqui muita coisa que me lembra o meu passado. Quem apostou, soube ir buscar a memória e olhar de frente para os desafios e para o futuro com uma visão de oportunidade». Os olhos compram, faz questão de vincar para de seguida esclarecer que estamos plantados «numa região de empreendedores» que «sofre um pouco da síndroma da emigração». Talvez por este fator, sublinha David Teixeira, «durante muitos anos, os barrosões decidiram que era mais fácil sair do que criar. Foi, na altura, a forma que encontraram de reinventarem as vidas, daí o sucesso dos nossos emigrantes. Hoje começam a ser dados os primeiros passos do orgulho local». Daí que, conclua, «é possível ser feliz cá dentro».